quarta-feira, 24 de março de 2010

Genuinidade Escondida


Querendo transbordar o meu copo de honestidade livre, conduzo-me à absolvição do que faço.
Traindo-me sob a futilidade ofuscante de uma lunática flor, divago os meus sentimentos por preconceitos formados por outrem.
Encontro-te ali, vejo-te e observo os teus mais pequenos passos...e no entanto, esgotas-me sem moveres sequer o olhar contra mim.
Respirando o pó firme, enojo-me da falsidade pungente e danço e voo e canto e liberto o meu genuíno.
Aqui sou, ali serei e acolá fui.
A minha genuinidade foi escondida...
Desvaneceu-se em fumo branco benzido...é esse o problema.

domingo, 14 de março de 2010

Descuido

Avisei-me para não captar a linear proposta de ritmo, mas descuidei-me...
Se a falsa beleza atrai, o costume devia ser retardá-la.
São sempre os mesmos que me roubam tudo apenas com o olhar.
E eu volto a cair, volto a descuidar-me.
Sempre sabendo que a minha sombra será enganada e enganada e enganadíssima.
Assim recusar-me-ei a sacudir do ventre a mulher amada e castigar-me-ei pela tentação caída.
Sóbria e insensata, deverei proteger-me nunca me protegendo.
Sofrerei...sempre descuidada.

sábado, 13 de março de 2010

Espelho


Olho. Vejo. Revejo. Imagino. Acredito. Minto. Volto a rever.
Há um furto ímpio de tudo o que sou.
Suga-me todas as minhas possíveis ambiguidades e desfaz-se num semblante lamentoso...
Hei-de jazer e voltar a encontrar-me lá...
Vês tudo de mim, mesmo o que eu não vejo.
Roubas o meu olhar e deixas-me vazia, sem nada, sem pudor, sem tristeza, sem regalias...
Dentro de ti sou um mero servo nesta liturgia que é estar.
Estava. Por tua causa...deixei de estar.
E agora não sou mais.
És o mais vil da existência.
Temo-te, respeito-te.
Mas repugno-te.

terça-feira, 9 de março de 2010

Sonhei?


Acho que sonhei!
Acho que o passado foi um sonho inacabado e real em todo o seu esplendor.
Verto lágrimas de saudade...
Mas a falta que sinto delas, deles, das palavras inimigas, da nuvem boémia que via dia a dia a afastar-se, é real.
Vejo as imagens reais das emoções imperdíveis de vida inconstante e ainda assim, não creio.
A minha fé afastou-se...
Era a minha vida.
Era parte de mim.
Era um conjunto harmónico de linguagem única.
Era a metamorfose de corpos e almas unidas.
Desconhecidos eram irmãos.
Vencidos eram vencedores.
Era uma corrida a um prémio que todos ganhámos.
A inalcançável entrega total à nossa música enebriada de embriaguez.
E nós (eu pertenci...) atingimos o inalcançável.
Um mundo inaudível, imperceptível, desconhecido...
Eu conheci-o, fiz parte dele...
E agora...não acredito.
Vejo apenas uma névoa de um sonho.
E só preciso de vos voltar a ter no meu corpo, te ouvir os timbres uníssonos.
Mas até isso parece agora inalcançável.
Só preciso de olhar para a mesa, ver os copos com o vinho escuro a dançar ao ritmo do som do mais puro laço.
Ver os cigarros emanarem um fumo atento e perpétuo...
Ver as guitarras abraçarem-nos com a intensidade mágica que conhecemos.
Ver os cabelos desgrenhados abanarem nos movimentos corporais distintos...
Ver os lábios negros do vinho agonizarem as palavras e moldarem o seu som.
Mas descrevo um sonho...

Foi verdade?
Ou...sonhei?




segunda-feira, 8 de março de 2010

(imensamente) Chuva


Se me encontro resguardada no (imensamente) meu peculiar refúgio, sinto a música que esta chuva me faz encontrar.
Admito a sua fraqueza, mas venero-a no seu esplendor, quando atinge o clímax.
Esmagadoramente revejo-me nela e crio expectativas ensurdecedoras...
Atira-me com a vegetalização atmosférica que presencia e faz-me desejar um abraço seu...Mas vem tão enfurecida que recuo.
Recostada no leito, entronizo esta bem-amada aventureira mas relambória habitual.
E observo a caterva de gotas tingidas de um bordeaux preliminar.
No meu casulo desenho três lágrimas de aflição.
Resta regozijar-me no pranto...
Rendo graças por me embalares querida chuva!

domingo, 7 de março de 2010

Luz de uma Vela


Observo apaticamente o tremelicar de uma ofuscante vela...
Tem a base de barro cuidadosamente Português e é antiga...
Essa mesma base de apoio comum está suja de cera dura que se desfaz melancolicamente nos meus enebriados dedos...
Brota melancolia e o seu fervor é a transmissão de uma troca de palavras boémias.
Abre-se uma janela ou porta ou alguém respira com mais entusiasmo e ela estremece...por ser tão fraca. Tão sensivelzinha e obtusa.
Uma nota soa no fundo e ela escurece de amargura.
Assim, como uma traça nocturna, ela pode voar...e arreliar.
Encontro-me rodeada de almas, corpos e palavras. Mas estou mais só do que alguma vez estarei.
E a culpada é essa luz que me ofusca.
Essa vela que chora comigo e sente com todos.
O meu egoísmo revela-a minha.
Um sopro. O apagão dá-se.
Farei as minhas revelações...